Tá bom. Já escutei a discografia inteira e estou começando a ficar de saco cheio já (apesar do cara ainda ser um excelente artista). Para me privar do vício (agora, depois dele, vou escutar a discografia do David Bowie) – vou encerrar essa etapa musical analisando o disco mais famoso se Sua Majestade Púrpura: Purple Rain.
Purple Rain é um disco lançado como um Álbum-Trilha-Sonora do filme homônimo, em 1984. Vendendo aproximadamente vinte mil cópias, o disco ganhou dois Grammys e um Oscar (como essas premiações valessem alguma coisa) e até hoje é citado nas diversas listagens de melhores álbuns de todos os tempos, sem falar na forte influência que exerce nos artistas contemporâneos, como Nicki Minaj e Rihanna. Provavelmente já devem ter ouvido falar deste álbum/filme no seriado “Todo Mundo Odeia O Chris”, aquele que é exaustivamente reprisado pela Record, igual ao Chaves no SBT.
Como um todo, o quê o disco tem de tão especial? Ele é musicalmente rico. Possui conteúdo diverso. Diversos ritmos diferentes. Músicas que não são parecidas entre si. E o melhor, possui algo chamado “qualidade”. Não é difícil fazer um disco com tamanha diversidade. O difícil é fazê-lo e ainda por cima, ser bom. É realmente indescritível como um álbum de nove músicas apenas consiga ser infinitamente superior a um álbum padrão de hoje em dia, com uma média de quinze músicas. Este foi realmente um período protagonista de uma explosão de criatividade sem-igual. E tal criatividade criou um álbum com músicas que mesclam o Metal, Rock, Pop, R&B, Psicodélico e Eletrônica. Purple Rain trata do sentimentalismo humano. Aborda questões jamais colocadas em pauta antes. É um turbilhão emocional, onde ao fim, cada faixa do arco-íris é representado por uma música.
Abrindo o disco, logo de cara encontramos Let’s Go Crazy. A introdução lembra aqueles sermões de Igreja, mas é uma das mais icônicas do pop. Seguindo, a música se revela como um Pop Punk (igual às músicas do Green Day, por exemplo), dando prioridade ao riff de guitarra e encerrando com um solo de guitarra fabuloso. A letra diz apenas para que fiquemos loucos caso peguemos um elevador que vá para “baixo”. A metáfora está neste baixo, que se refere ao Inferno e não nos deixarmos levar pelo “D-Elevator”, onde este D claramente se refere ao diabo. A letra nos estimula a procurarmos pela “Banana Roxa” até que nos coloque dentro do caminhão. Basicamente, o caminhão iria para o céu e a Banana tem um duplo sentido. Pode ser tanto para ficarmos loucos (banana, no inglês, pode ser o nosso equivalente a “xarope”) atrás do que não é normal, uma banana roxa não é normal, não? O outro sentido poderia se referir à Banana como prova de Deus, pois há um teólogo que coloca a banana como tal, por ser anatômica, fácil de descascar e mastigar e o roxo é a cor que representa a realeza, no caso, de Deus. No filme é exibida uma versão estendida e coreografada.
Seguindo a hipótese de que o disco é um caldeirão de gêneros, chegamos a Take Me With U. É, com certeza, a música mais fraca do álbum. Mas, todo santo álbum de qualquer artista hoje em dia, tem uma música falando sobre algum casal se amando – não tirando o mérito desta, ainda assim. Tal música é um dueto com Apollonia Kotero, sua namorada na época e no filme e era para constar originalmente no álbum da mesma. De última hora, foi introduzida em Purple Rain e isso, (infelizmente) resultou num corte da versão de quatorze minutos de Computer Blue. Quando eu a escuto, não sei o porquê, mas um rosa bunda-de-bebê me vem à mente.
A terceira música do álbum é The Beautiful Ones. Com temática similar à Behind the Mask, como disse num outro review, acaba por ser singular. Não é algo comum, músicas sobre problemas no relacionamento. Comuns são músicas como a que citei no parágrafo anterior. Ela pede para que a mulher amada escolha entre o Eu-lírico e outro cara, dizendo que as mais belas são as mais difíceis de agradar. A cor que essa música me lembra, acaba por ser o verde. Não sei, talvez seja porque essa cor é a imagem da segurança e da proteção e cria um ambiente propício para tomar decisões, como no caso daquela em que o Eu-lírico direciona a música.
Computer Blue é uma obra-prima e retrata a fase pós-crise num relacionamento, a revolta. A impressão que o eu-lírico tem de que sua amada o deixou por causa dele mesmo, da paranoia, de que tem algum problema com seu “maquinário” e até que ele encontre o verdadeiro amor de sua vida, ele será um computador triste. A canção é paradoxal. Um computador é uma máquina. Não pode ter sentimentos. Não pode ficar triste (blue também é uma expressão para tristeza). O Azul também representa buscas incessantes, bem como a descrença e desconfiança, além da melancolia. A versão de doze minutos é conhecida como “Hallway Speech”, e implica que os sentimentos foram programados neste computador, além da própria “fala do corredor”, onde há uma correlação entre o relacionamento e uma casa cheia de corredores, onde cada corredor tinha o nome de um sentimento. Computer Blue explora a nata do sentimentalismo humano e as consequências de um relacionamento.
A música também se aproveita de um sample de Computer Love, do Kraftwerk, a qual compartilha dos dramas existenciais e sentimentalistas do ser humano, tratando o amor de forma mecânica e programada, retratando ambas máquinas alienadas.
A próxima é a infama “Darling Nikki”, onde, num ritmo trash metal, conta sobre uma garota chamada “Nikki” que o encontrou num saguão do hotel e o chamou para passar o tempo. Então, o Eu-Lírico não pôde resistir quando viu pequena Nikki na cama. No final, ela acaba o deixando. A metáfora está na crise existencial do eu-lírico por este ser pervertido, retratando o sexo com Nikki como algo mecânico e inumano. A apologia seria como se a garota fosse o diabo com quem o eu-lírico vendeu sua alma. Ela simplesmente deu o que ele quanto ela queriam, mas de modo não satisfatório. Ao fim, ele fica a ver navios, esperando por ela, querendo mais. E ela, apenas o usou. Esta música gerou muita controvérsia pelo seu conteúdo, chegando ao ponto de um órgão ser criado para classificar a faixa etária dos álbuns lançados. Apesar de nunca ter sido lançada como single, é bastante popular e serviu de inspiração para a música “S&M”, da Rihanna, por exemplo (ela inclusive a cantou uma após a outra durante os shows da turnê Loud).
A Catarse, mais especificamente, é o estado de purificação emocional causada por um drama, que significa purgação, evacuação. Segundo Aristóteles, seria necessária uma passagem da felicidade para a tragédia para que a catarse seja atingida. When Doves Cry tem a capacidade de causar este estado de emoção. De modo revolucionário para a época, a música expressa não o tão comum romance perfeito (retratado por Take Me With U, por exemplo), mas os lados negativos de uma relação em crise de forma psicodélica e paranoica. Uma relação onde nenhuma das partes se sente confortada, satisfeita. A Impressão de que falta algo crucial nesse vazio, mesmo quando tudo parece perfeito diante da visão dos terceiros. Há uma intertextualidade shakespeariana de Romeu & Julieta, onde há um amor utópico – perfeito no papel, impossível na prática . A reflexão do relacionamento entre seu pai e mãe no próprio, bem como a representação da imagem da mãe na amada e a inconformidade de que, por mais que odeie o modo como os pais acabaram, a história se repetiu. As brigas e discussões se parecem com o triste e melancólico som do guincho do pombo, símbolo que representaria liberdade, fé, paz, amor e beleza. Analogia a Adão e Eva e o modo com que até os animais conseguiam sentir a atração do casal, mas em meio a um campo de violetas em profusão, onde a flor roxa que representa a ausência de fé.
When Doves Cry é realmente um fenômeno. Há uma genialidade inexplicável contida nela (talvez, a mesma de Billie Jean). Mesmo na composição ela se destaca por ser fora do padrão, do comum, com a ausência do baixo, bem como a introdução com a guitarra e o longo solo de sintetizador, sem falar da voz robótica que tudo isso acompanha. Só é decepcionante o clipe que tal música acabou ganhando – feito com pedaços do filme, em sua maioria.
O Prince é um cara totalmente megalomaníaco, mas, por favor, I Would Die 4 U é o cara se comparando a Cristo. A simples música se passa por uma declaraçãozinha de amor, quando, quando lida com atenção, é a própria comparação com uma entidade superior. Logo de início, ele já se diz como algo que não é nem homem, nem mulher. É algo que jamais compreenderemos. Pode parecer só a questão da própria androginia, mas na mesma estrofe, ele já diz que sempre concederá perdão, mesmo para o mais maligno indivíduo, igual à Cristo em sua crucificação. Quando ele se refere que não é um amante e muito menos um amigo, ele se refere ao amor que Deus nutre por sua criação, algo que não se classificaria em nenhuma dessas situações. Ainda, ele se classifica como messias e seria esta a razão pela qual ele morreria por alguém, assim como Cristo morreu por todos os pecadores. Há também ele se dizendo como o fogo de quando você está com frio e a felicidade quando há a tristeza, versos que paralelizam a própria religião, que é aquilo que as pessoas se sustentam quando estão com problemas, como a tristeza e o frio.
Há ainda novas comparações com o Pombo, sendo este reconhecido pela igreja como o símbolo do Espírito Santo, bem como o “4” no nome da música. Pode ser bem a mania que o Prince tem de trocar o “for” comum por um número quatro, mas quatro também é o número de pontas de uma cruz. Por fim, ele encerra dizendo que é a consciência, que é o amor e que tudo que precisa, é saber naquilo que acreditas, bem como Cristo que nos perdoa sabendo apenas que acreditamos na sua existência. I Would Die 4 U não é tão genial quanto When Doves Cry, mas prova que uma música pop simples ainda pode ter algum conteúdo para mostrar, ao contrário dos “Baby” e “Friday” da vida. E a Coreografia é ligeiramente bizarra também.
Baby I’m A Star retrata o auge do cantor em questão e sua ideia de querer se manter lá. Basicamente, um resumo de sua filosofia de vida, não só dele, mas compartilhado por muitos outros artistas, como por exemplo, a Lady Gaga (que já assumiu que quer fazer sucesso daqui a cem anos). Algo bastante curioso, é que a última música a ser tocada no filme é esta. E ela possui uma backmasking que diz “Come on, baby, Let’s Go Crazy!”. Ou seja, ele encerra o filme do mesmo modo em que começou.
A nona (e última) música do álbum é nada mais, nada menos que a faixa título, Purple Rain. A letra explica o filme e o filme explica a letra. Composto em três estrofes e três refrões, cada uma se refere a três estágios da vida do personagem: O primeiro é sobre seu pai. O segundo é sobre sua amada e o terceiro é sobre seus colegas de banda. Com a música, Prince tenta convencer a todos que devemos enfrentar os nossos problemas e medos, olhando por aqueles à sua volta, ao invés de se isolar no próprio orgulho e em suas dúvidas. Você sempre vê as pessoas fugindo da chuva, mas não há motivo para fugir. É só chuva. Para quê tanto pânico? O Roxo, além de ser a cor da realeza, também é a cor da reflexão. Da preparação para alguma mudança, da penitência (tanto que esta é a cor da quaresma). Logo, estamos falando da chuva da mudança. É, de certo modo, uma música bastante hipócrita, a julgar quem a canta.
Purple Rain é uma Power Ballad (igual à Still Lovin’ You, do Scorpions e Is This Love, do Whitesnake) e é conhecida por ser uma das canções mais tocantes dos anos oitenta. Com seus oito minutos, sendo estes apenas cinco de instrumental, Purple Rain tem uma das composições mais elogiadas e seu solo de guitarra é considerado como um dos maiores solos de todos os tempos.
Talvez o impacto de Purple Rain na música seja maior que o de Thriller. Apesar de ser menos conhecida no meio popular, é extremamente influente dentro da própria indústria. É a mesma coisa que Jojo’s Bizarre Adventure para a indústria de mangá. E se Jojo está para Purple Rain, Hirohiko Araki está para Prince. É realmente uma pena que tão genial artista tenha se tornado tão perturbado. Musicalmente falando, Prince seria algo como “quando John Lennon e Jimi Hendrix se encontram”.
Lista de Faixas
- “Let’s Go Crazy” – 4:39
- “Take Me With U” – 3:54
- “The Beautiful Ones” – 5:13
- “Computer Blue” – 3:59
- “Darling Nikki” – 4:14
- “When Doves Cry” – 5:54
- “I Would Die 4 U” – 2:49
- “Baby I’m A Star” – 4:24
- “Purple Rain” – 8:41
E aí? Quando ficar famoso como Jornalista, vai ser polêmico e afetado igual ao cara ou não?
Cara, não sei quem você é, não sei o seu sexo, estado civil ou se é doador de órgão ou não, mas virei fã de sua analise. O seu texto mostra que você interessou-se em sua pesquisa que era desmiuçar as letras do album de Prince.
Parabéns,
Ass.: Beira Águas
Incrível análise! Realmente desmascarou Prince.
Animal.
Parabens
Pingback: Análise: The Rise and Fall of Ziggy Stardust – David Bowie « Horny Pony
Cinco anos após desta postagem, leio hoje em 2016, uma das mais bem escrita análise crítica de um álbum. Sem tendências, desmistificando, simplificando e enaltecendo. Tem minha admiração!
Muito bom !! Análise mais do q perfeita !!!