Para nota: Esse texto foi escrito em sua maior parte no dia 13/12/2014 e concluído apenas recentemente.
Apesar de sempre trabalhar aqui com textos de cunho especificamente culturais, como as análises de animes, videogames e derivados, eu sempre tive uma inclinação muito forte à política. Não política no sentido de ser um parlamentar ou militar por algum dos lados (eu geralmente deixo esse tipo de discussão e atitude para quem NÃO entende de política), mas por gostar de analisar o tema como um observador mais quieto mesmo. Ver a política como uma ciência, observar todos os pontos de vista, em vez de abraçar um estilo de vida coxa ou petralha.
Assim, afirmo agora que o post não é necessariamente sobre uma posição ou opinião sobre política de fato (muito porque foge absurdamente da proposta do Horny Pony), mas pegar algumas obras de ficção conhecidas e encaixá-las dentro de contextos sociopolíticos, nada muito diferente das críticas subtextuais que acabo fazendo nas análises comuns aqui do blog.
Tive essa ideia ao assistir, algumas semanas atrás, a hexalogia Star Wars. Não é porque entrei na vibe da temática por causa do teaser lançado do Episódio 7, foi um pouco antes disso. Eu tinha acordado anormalmente cedo num sábado desses aí e, no puro ócio, acabei pegando o box que eu tenho e botei pra passar no meu DVD Player (sou pobre e não tenho leitor de BD). Acabei assistindo a série inteira. O que acontece é que fazia bastante tempo desde a última vez que havia assistido aos filmes. Eu era um moleque que estava pouco se fodendo para aquelas discussões enfadonhas do Senado sobre pactos comerciais, guerras separatistas e baboseiras similares. Eu queria ver era treta de sabres de luz e pronto.
Com a velhice (há!) acabei criando um interesse muito maior na prática política realizada na série, o que diabos era o Senado de fato, o motivo de sua existência e meu cérebro começou a engrenar, principalmente porque minha bagagem histórica era maior, o que me permitia fazer as devidas assimilações.
Isto é, que o Palpatine tinha uma certa inspiração no Hitler é óbvio. Mas é muito interessante encarar que a ascensão dos dois foi bem parecida. Isto é, o papel do Senado (em sistemas bicamerais, como o Brasil) é fazer uma espécie de julgamento de viabilidade das propostas enviadas pela Câmara dos Deputados. O Congresso, então, representa diretamente o povo, enquanto o Senado trabalha de acordo com os interesses do Estado, analisando se a sociedade precisa mesmo da proposta apresentada (é igual à quando você era moleque, pedia um brinquedo inútil pra cacete aos seus pais e eles não te compravam porque sabia que isso não valeria o dinheiro gasto). Assim, a intenção é barrar que ondas populares estúpidas sejam colocadas em prática. Seguindo o exemplo do Nazismo, seria função do Senado barrar tal ideologia. Contudo, observa-se que Hitler infiltrou-se no Senado – para que sua ideologia altamente popular conseguisse atravessar essa “última barreira” – até tornar-se líder do mesmo como Chanceler, para, posteriormente, atribuir a si mesmo o papel de Führer.
Já deu para sacar, né? A lógica do processo de transformação do Palpatine em Imperador foi exatamente a mesma. Sua influência foi crescendo aos poucos até tomar conta da porra toda de uma vez. Dentro desse acontecimento, é muito interessante relembrar uma espécie de absolutismo nacionalista forte no seu discurso, como foi o caso do próprio dizendo “O Senado sou Eu”, uma clara alusão ao “O Estado Sou Eu”, geralmente atribuída à Luís XIV.
Outro ponto interessante de se lembrar é a desculpa usada pelo Palpatine para se declarar imperador. Tecnicamente, ele deu um golpe de Estado, transformando a República num Império, alegando que os Jedi pretendiam dar um golpe e, por isso, o fez antes, aproveitando para lançar a Ordem 66, que implicava no extermínio de toda a Ordem. Rapidamente: É um golpe imperial para evitar o golpe Jedi (que não existia).
Em 1964, a alegação dos militares em aplicar o seu golpe que deu início à ditadura foi justamente evitar que o governo atual aplique um golpe comunista que, por sua vez, também não existia. Traçando o paralelo, chegamos à conclusão de que os Jedis são COMUNISTAS SAFADOS PETRALINHAS SOVIETES RAAAAAAURGH! Bem que aquela história de todos estarem em comunhão com a Força, ter que fazer voto de pobreza sem ter bens materiais e coisa do tipo. Tem que lembrar que os StormTroopers da trilogia antiga eram uma massa unificada. Eram todos iguais, cada um com sua função determinada ao nascer, sem chance de mudar e totalmente submissos ao Estado forte (isso pegando da imagem que o ocidente tinha da União Soviética, não que tal bloco seja, de fato, comunista, ou que o comunismo se configure dessa forma). Por outro lado, é interessante pensar que os clones são todos soldados modificados geneticamente para serem perfeitos, assim como o nazismo pregava a raça ariana pura.
A passagem do Palpatine no Senado consagrando-se imperador resulta numa frase muito interessante da Padmé: “É assim que a democracia morre, com uma salva de palmas”. Aqui no nosso contexto nacional é totalmente pertinente, lembrando que os militares foram fortemente elogiados quando assumiram em 64.
Estou querendo dizer que Star Wars foi inspirado na história do Brasil? Não, o que quero mostrar aqui é que a história é algo cíclico. Não apenas aqui, mas dar um golpe na justificativa de impedir outro golpe que não existe — seja com más intenções mesmo ou apenas imbecilidade conspiratória que nos leva à tal barbárie — é algo recorrente na história humana.
Os Separatistas da trilogia nova também não passam de uma representação do liberalismo econômico. Sei lá, os Judeus espaciais? Acho válido porque a guerra do Império nazista-militar era justamente contra eles, que detinham as rotas comerciais sob seu controle e queriam separá-las do resto da República, assim como eram os judeus aqueles que acumulavam o Capital durante a Alemanha quebrada pós-primeira guerra. Os separatistas pretendiam, no fundo, abdicar qualquer intervenção da República nas relações comerciais. Eles pregavam o Estado Mínimo, característica constantemente entoada pelos liberalistas econômicos. Caso ainda haja dúvida, é só lembrar que uma das principais naves do exército droide chamava-se justamente “Mão Invisível”.
Esse tipo de coisa é muito interessante porque a trilogia antiga, lançada na década de 70/80, constantemente assimilava a figura do Império justamente à União Soviética, enquanto os rebeldes eram assimilados à democracia americana. Havia, inclusive, a Iniciativa de Defesa Estratégica americana, onde sistemas de satélite monitoravam o planeta para evitar qualquer tentativa de bombardeio militar contra os Estados Unidos e popularmente era chamada de Star Wars. O mesmo vale ao Reagan chamando a U.R.S.S. de “Império do Mal”.
Só para constar, queria ressaltar também que o verdadeiro vilão, o culpado de tudo em Star Wars foi o Jar Jar Binks. Não só pela questão moral de ser um personagem escroto, mas percebam que todo o processo de transformação da República em Império começou com ele, que sugeriu ampliar os poderes emergenciais ao PALPAMITO. Aliás, quem em sã consciência daria poderes de Senador ao Jar Jar Binks? Ele talvez seja o exemplo mais claro que política é um negócio que não pode ser praticado por qualquer zé roela. Pense direito antes de votar ou elogiar a atividade parlamentar do Tiririca.
É interessante estender essa aplicação teórica de política em outras obras onde há a presença de um poder dominante. Enquanto em Star Wars nós encontramos um conto com viés à esquerda na primeira trilogia, podemos observar que o contrário acontece em O Senhor dos Anéis. É claro que é interessante sempre observar o contexto em que uma obra é publicada e as vivências daquele que a escreveu. Um cara como Tolkien tem como suas principais influências os pontos de vista da política britânica durante a Segunda Guerra Mundial e, no caso d’O Senhor dos Anéis, guerra fria. (Pausa rápida: Tolkien não era nascido na Inglaterra, era de uma região pertencente à Inglaterra que hoje integra o território da África do Sul)
E, como sabem, durante a Guerra Fria, rolava aquele medo dos COMUNISTAAAAAAARGHS que comiam criancinhas. Pensemos primeiro na imagem de Sauron que é um olho gigante que tudo vê, assim como o Big Brother que te observa que é uma crítica orwelliana ao autoritarismo (não necessariamente comunismo) absoluto. Nada mais do que propaganda. Mas não propaganda “comercial”. Mais aquele estilo de propaganda por uma causa nacionalista, feito pela Alemanha Nazista, União Soviética e a Mãe-Rússia e até mesmo os EUA e seu Tio Sam.
Percebe-se também que os Orcs são uma sociedade massificada sob o comando dessa propaganda. Os Orcs têm, cada um, seu papel de operário. Orcs não passam de proletariado. Esse mesmo proletariado que, na Rússia, se opunha ao regime Czarista, que nada mais era do que uma espécie de feudalismo no século XIX.
Na história, os Orcs se opunham a quem? Ao portador do Anel que se aliava a um rei que visava buscar seu lugar como rei. Lembre-se que rei é a figura do feudalismo e aqui voltamos à questão do czarismo. A questão é que esses ORCOMUNISTAS são os vilões de uma história fundamentada em questões de bem e mal e deixa bem clara a separação dessas duas polaridades.
É muito interessante também pensar na existência da burguesia imobiliária em O Hobbit. Quando digo burguesia imobiliária, refiro-me àqueles proprietários de casas ou territórios enormes com absolutamente nada e impedem que os movimentos dos que não têm terra ou teto ocupem o espaço. A cena bem marcante especialmente no diálogo entre os sem-teto da Cidade do Lago e o Thorin, que tinha um castelo enorme com nada dentro só para ele e não deixava os caras da Cidade do Lago ocuparem. Lembre-se que o Thorin é o herói da história.
Ainda, isso já era presente quando o Smaug ocupava o território. Tolkien aí faz uma crítica ao Capitalismo sim. Smaug vivia para acumular riquezas, simplesmente. O Capitalismo existe pelo simples intuito de capital (o capitalista é aquele que acumula o capital, por isso capitalista pobre não existe, a palavra certa para isso é ‘liberal’, que defende uma economia livre onde todos teoricamente teriam a oportunidade de acumular suas riquezas e virarem capitalistas). Dessa forma, ao colocar a existência de Smaug do lado dos bandidos, você vê que o acúmulo da riqueza por si só não é a solução. Seria uma espécie de proto-libertarianismo? Ou talvez ainda é uma obra que defende a crença católica do não-acúmulo da riqueza, mas eu acho improvável, dado o fato de que a religião de expressão da Inglaterra é o protestantismo.
Enfim, é interessante pensar as questões políticas por trás dessas obras de ficção. E, fazendo um paralelo com outro texto meu, é interessante que os caras que assistem Star Wars simplesmente não sacam o que a obra quer dizer e ficam defecando asneira pela boca quando vão falar sobre o assunto. Acho que até aí eu dei umas derrapadas e me contradizendo em umas ideias, mas acontece. Não estou raciocinando aqui, só estou jogando os pensamentos de uma forma linear sem me preocupar com a consistência.
Em tempo, estava lendo aquele Manual do Império, em capa dura, que é como se fosse uma cartilha do Império, explicando o funcionamento da Nova Ordem feita pela própria. É quase uma esporrada na cara com um “olha, o governo assim é uma bosta”.
É aquilo, a trilogia clássica era mas basicona nas ideias, pegava conceitos básicos da história e fantasiava com elementos espaciais sem tanta densidade em jogo das cadeiras político. O Seu Jorge ficava trocando ideias também com o estudioso Joseph Campbell que era entusiasta daquela teoria batida do mito universal, daí juntou tudo que tava popularesco na época: resquício flower power, pagação de pau pra tudo do oriente, filmes de samucas (basicamente surrupiou um dos filmes do Kurosawa) e meteu até um cowboy e como sempre o velho conhecido nazismo como máxima de um modelo opressor também sempre usado para criticar a postura belicista americana.
SW ou Guerra nas Estrelas antes dessa frescurite no nome era mais uma aventura dos mocinhos contra uma maquina intolerante adepta da tecnologia controladora, um arquétipo bem comum em outras produções, é só ver por exemplo Wizards do Ralph Bakshi. Tá, mas essa ladainha minha diz o que? Que o foco mesmo era a aventura, os efeitos até então surpreendentes e menos foco em tudo parecer complexo demais como se isso fosse motivo de desmerecer a ideia da produção.
Com o tempo, aqueles fedelhos que sequer sacavam os detalhes da trama porque ainda estavam usando fraldões começaram a pegar no pé e fantasiar mil teorias ou exigir mais densidade, até pelo fato do universo expandido ter aqueles fãs dementes que começam até a traduzir a lingua do Chewbacca daí temos toda essa presepada na trilogia dos anos 2000.
Eu ainda não sei bem porque o pessoal é tão obcecado com a franquia, tem efeitos bacanas, determinado zelo no universo mas é um filme bem pipoca e guaraná. Se for ver de modo metalinguístico, SW é quase um Palpatine no senado, virando carta na manga dos produtores de cinema que já tavam com o saco cheio de diretores mais focados em produções denuncia ou marrentões no tratamento e os anos 80 seguiu bem dessa forma assim como uma cultura mais pasteurizada.