Quando eu comprei ABZÛ, até imaginei que seria um jogo pretensioso e metido a artístico. Eu errei. Bom, certamente, é metido a pretensioso e artístico, mas, com certeza, está longe de ser um jogo. Sabe, com o crescimento das chamadas de narrativas digitais, multiformes, hipertextuais ou imersivas, eu realmente acredito que a classificação sobre algo ser ou não ser um jogo é cada vez mais necessária. Ao menos, os desenvolvedores deveriam ter a noção, sinceridade e honestidade de, já no desenvolvimento, admitir que a proposta é fazer, na verdade, um passeio interativo e que, o que estão produzindo lá, não é um jogo.
O nome ABZÛ vem das mitologias sumérias e eles referenciam os aquíferos subterrâneos presentes em seus mitos e pode ser traduzido como “águas distantes”. QUE CULT E INTELIGENTE, MEU! Essa coisa quase não tem cutscenes e logo já joga o turista (eu me recuso a chamar de jogador, visto que não estamos falando de um jogo) naquela vastidão azul que, por instinto, acaba simplesmente seguindo em frente, atrás de um tubarão branco misterioso. Aos poucos, os cenários vão mudando e o transeunte vai notando que sua função é purificar o oceano corrompido por máquinas. NOSSA, QUE PROFUNDO, O JOGO FALA SOBRE O MEIO AMBIENTE SENDO DESTRUÍDO PELA AÇÃO HUMANA ATRAVÉS DE ALEGORIA! ECOLÓGICO, MODERNO E SUSTENTÁVEL!
É possível dizer que a experiência (e digo isso não de forma positiva, mas pelo simples fato de que é algo que é simplesmente assimilável) não passa de um walking simulator: water edition. Não há nada que estimule o indivíduo a avançar ou sequer o desafie, considerando essa questão de desafio não como uma provação complicada, mas simplesmente algum empecilho mínimo que pararia o jogador de forma contraditória, como um puzzle, por mais simples que ele seja. Aqui, a única coisa contraditória são os controles, imbecis demais.
O pensador Johan Huizinga delimita em sua obra, Homo Ludens, que o conceito de jogo é uma espécie de canalização do instinto de competição e conflituoso do homem de uma forma consciente, algo que vem desde os primórdios da humanidade. Dessa forma, ABZÛ é a porcaria de um passeio interativo, como um desses simuladores de montanha russa em shoppings, visto que não há nada em sua narrativa que se oponha ao jogador de forma que o instigue a superá-la.
Jogos têm o conflito como seu conceito primal. A partir do momento em que esse que eu chamo de passeio não apresenta o conflito, ele perde o direito de ser chamado de jogo. E olha que esse suposto embate não precisa ser necessariamente contra outro jogador. Jogos single player têm como conflito a disputa entre o jogador e a própria máquina, que vai impor barreiras que dificultam sua finalização. Para fechar ABZÛ, a única coisa necessária é apertar o botão do mouse.
Vamos lá, o único obstáculo com o qual me deparei foi com os controles, que simplesmente não fazem sentido. Eles se baseiam simplesmente no teclado WASD para controlar a direção do nado e nos botões do Mouse para seguir em frente e acelerar o boneco. O grande problema é que, se está disponível a porra do mouse, com a porra de um sensor ótico em sua base (ou a famosa bolinha, em casos mais arcaicos), você simplesmente utiliza essa porra desse recurso de maneira mais útil. Seria muito mais prático jogar se a câmera, somente, fosse controlada pelo teclado e o sensor do mouse controlasse a direção. Eu não estou pedindo lá muita coisa, visto que é o padrão de controle em simuladores de voo, algo que já é consolidado e de fácil assimilação para um jogador minimamente habituado.
Sob esse ponto de vista, até Endless Ocean, que também não é um jogo e é, pelo menos, dez anos mais velho do que ABZÛ, consegue ser infinitamente superior. Os controles não são tão imbecis e o catálogo de peixes a ser completado é muito mais interessante do que simplesmente seguir em frente, como é o caso dessa atração da Disney que é o objeto dessa análise. No game de Wii, ao menos, há uma questão de caça ao tesouro e coisa do tipo. Há um estímulo também para identificar todos os peixes, quando em ABZÛ eles têm unicamente uma função estética.
Aliás, estética que, não vou negar, é bonitona, mas que não justifica o nada que essa E-X-P-E-R-I-Ê-N-C-I-A interativa é. Gosto da forma como as diferentes etapas da viagem apresentam paletas de cores variadas, bem como a modelagem dos peixes, mas acaba por aí. Aliás, isso também não justifica o uso da merda da Unreal Engine. Por mais bonito que esse troço seja, ele não deveria exigir absolutamente nada de PC algum, mas acaba fazendo-o por conta disso – e esse pouco ainda é muito, tendo em vista toda essa ausência de conteúdo. Caralho, meu PC rodou Mad Max bem mais liso do que essa porra desse ABZÛ.
Sobre a trilha sonora, até que ela é bacaninha e funciona. Acho que a comparação mais acertada que eu consigo fazer é com aqueles filmes da Disney, Fantasia e sua sequência, Fantasia 2000, visto que é mais um espetáculo visual sincronizado com a música. Eu ia comparar a narrativa de ambos, mas Fantasia claramente tem mais história do que ABZÛ.
Outro ponto importante que eu queria ressaltar: pode espernear o quanto quiser, mas videogame não é arte. Ao menos, não da forma como querem enfiar goela abaixo, com essas experiências metidas a catárticas que se propõem intocáveis como forma de se blindar às críticas e questionamentos, característica comum da chamada cultura erudita que muitas vezes se relaciona ao meio artístico. O videogame como a mídia que é pode ter características clássicas da arte, mas não é arte per se. Sob tal ponto de vista, o jogo eletrônico é muito mais próximo da cultura de massa como definida por Edgar Morin (jogue no Google), visto que sua produção se dá de forma massificada na era da reprodutibilidade técnica onde a suposta aura do produto se esvai.
A meu ver, esse troço só faria sentido em VR e não como jogo. Literalmente como uma espécie de showcase em shopping ou coisa do tipo para fascinar as velhas e os tios que não estão acostumados com a tecnologia. O pior é que, ainda assim, acho que é uma tentativa falha, visto que a história 4deep8you iria causar estranhamento para esse público. Eu realmente aprovo a tentativa de fazer jogos com o menor número de cutscenes possíveis, mas a ideia não vai dar certo se a própria narrativa for um cocô.
Eu até queria falar mais dessa coisa, mas simplesmente não consigo porque não há mais nada a ser falado dessa merda. Tem uns anos que eu não ficava tão puto com um negócio desse. Caralho, nem filme experimental é idiota e metido feito ABZÛ. Prefiro muito mais sentar na frente de alguma tela e assistir na íntegra a sequência do Star Gate do 2001 do Kubrick do que me atrever a jogar ABZÛ de novo. E vamos ser justos: se eu falei o que falei de Pokémon Go, não seria honesto este ter uma nota maior. Isto é, aquilo ao menos tenta ser um jogo.
Gastei 14 pilas com isso na promoção no começo do ano e me arrependo amargamente. Eu deveria ter testado ainda na época, porque aí compensaria o reembolso dessa porra. /rage
Informações
- Produção: 505 Games
- Estúdio: Giant Squid Studios
- Ano: 2016
- Gênero: Filme
- Plataformas: PC, XOne, PS4
RIP 17 contos. Com mais uns 10 daria para comprar um Dork Souls na promo.
Foram 14, mas mesmo com 14 tem um monte de jogo mais interessante do que isso.
Aliás, eu preferia ter gasto em jogos ruins, porque pelo menos eu estaria gastando num jogo.
Entre No Man’s Sky e ABZÛ quem ganha o premio de “Isso não é um jogo” do ano na sua opinião?
Abzû, com certeza.