Análise: Batman Ninja

Batman Ninja

Você achou que o Blog morreu, né? Enganei você! Só para constar, eu contei o filme praticamente inteiro aí. Se for comentar, LEIA o texto primeiro antes de falar qualquer asneira que o texto já tenha respondido por si só.

O estudioso Henry Jenkins em sua Obra, Cultura de Convergência (São Paulo: Aleph, 2008) — que estranhamente citei pouco ao longo da história do blog — descreve o processo de transcriação como um “termo cunhado pela Marvel Comics para falar sobre seu projeto Homem-Aranha: Índia, referindo-se ao processo de reinventar e adaptar uma franquia ficcional existente a fim de torná-la mais aceitável e atraente para um mercado nacional”. Ainda, o conceito é desenvolvido e justificado por Jenkins como uma forma de expandir seu mercado em outros territórios onde sua influência não é tão forte:

A DC Comics criou Batman: Hong Kong (2003), graphic novel em edição luxuosa destinada a apresentar aos leitores ocidentais o estilo peculiar o desenhista de quadrinhos chinês Tony Wong e a tradição do manhua. A Marvel lançou a série de quadrinhos Spider-Man: India (Homem-Aranha: Índia), planejada para coincidir com o lançamento do filme Homem-Aranha 2 na Índia e adaptada aos gostos dos sul-asiáticos. Peter Parker virou Pavitr Prabhakar e o Duende Verde virou Rakhasa, um demônio mitológico tradicional. Os desenhos, que mostravam o Homem-Aranha saltando sobre motonetas nas ruas de Bombaim e se movendo em curvas pelo Portal da Índia, foram feitas pelo desenhista de quadrinhos indiano Jeevan J. Kang. A Marvel chama isso de “transcriação”, um passo além da tradução. Ao criar essas HQs, a Marvel reconhece que seus super-heróis não se saíram bem fora do mundo anglo-americano.

Toda essa enrolação é importante para entendermos o que fez Batman Ninja tão especial. Produzido pela Warner e desenvolvido pelo estúdio Kamikaze Douga, o mesmo das aberturas em CG de JoJo, a animação de menos de uma hora e meia é o melhor filme de heróis do ano — pelo menos até o lançamento de Jovens Titãs em Ação nos Cinemas. Exatamente, Vingabobos e seus Memes Infinitos que se fodam.

O contexto é basicamente o Batman indo parar no Japão feudal depois de se meter em um experimento do Gorila Grodd, mesmo que o macacão não seja nem vilão do Batman. Isso acontece literalmente nos dois minutos iniciais, provavelmente para dar mais destaque ao que interessa: o fodendo Japão. Acontece é que a morcega chegou com dois anos de atraso em relação a outros vilões que também pegaram uma carona na viagem no tempo. Isso fez com que Coringa e companhia conseguissem dominar seus próprios territórios, bem como acumular recursos e montar seus próprios exércitos e outras coisinhas mais.

Nisso, ele decide enfrentar o Coringa logo de cara e toma uma sova porque não podia contra técnicas ninja. Ele então se reencontra com a Mulher-Gato e Alfred, que viajou junto sem querer porque estava no Batmóvel, o que fez com que o carro saltasse no tempo também. Pois bem, mais uma investida ao castelo do Coringa, mais uma surra, agora perdendo toda a aparelhagem tecnológica no processo, principalmente depois que o Palhaço, o Coringa, o Jóquer, o Palhaço, ativa a forma mecha do seu castelo — não, não é uma piada isso e nem parece tão aleatório na prática quanto deixa a entender aqui.

Vendo que não teria como lidar com O Palhaço, ele vai atrás de quem aprontou essa putaria toda, o Gorila Grodd e, inicialmente, consegue um acordo com ele. A questão é que bater no Coringa acaba se tornando algo estritamente necessário porque acabou ficando com ele o Lico de Cair Pinto componente-chave para a viagem temporal e, consequentemente, para que aquele monte de gaijins safados retornem a onde vieram.

Mais um confronto com o Coringa, dessa vez com Grodd envolvido. Depois de um ataque bem-sucedido ao Navio do Jóquer, a realidade é que o Gorilão só estava fazendo o Batman de trouxa ao tomar para si tudo o que o Coringa tinha conquistado como Daimiô. Para piorar a situação, rola uma puta explosão e a última coisa que a Morcega ainda tinha, a sua roupa, acaba indo para o saco. A Mulher-Gato, como nunca foi flor que se cheire, acabou mudando de lado também com a promessa de que seria levada de volta ao seu tempo. O que Grodd queria o tempo todo é assumir uma posição mais forte numa disputa pelo território japonês como um todo contra outros vilões que também assumiram domínio de outras regiões da mesma forma que o Coringa, como a Hera Venenosa, Exterminador, Duas Caras e Pinguim.

O Batman? Salvou-se por muito pouco graças a um clã que acreditava num lendário guerreiro que apareceria e salvaria o Japão usando uma máscara de morcego. Também encontraram asilo naquele clã todos os Robins possíveis, como o Damian Wayne, Jason Todd como o Capuz Vermelho, Tim Drake como o Robin Vermelho e até mesmo o Asa Noturna, cuja real identidade é o Dick, aquele viadinho.

Dois meses se passam. O Coringa aparentemente perdeu a memória depois da explosão e passou a viver como camponês ao lado da Arlequina. Batman tonto acreditou nele. Enquanto isso, ele também estava se preparando com o Clã do Morcego antes que a iminente batalha entre os daimiôs acontecesse. Pois bem, é chegada a data em questão e cada um dos vilões ativa seu mecha. Depois de um conflito morto, o Grodd puxa alguma traquitana e consegue controlar a mente de todo mundo, criando um fodendo Megazord com o robozão de cada um.

É claro que ele não previa as ações do Coringa! Do Palhaço! Do Jóquer! Do Palhaço! Que, afinal, precisava fazer alguma coisa para se divertir. Ele ter virado camponês era só um truque ele logo conseguiu assumir o robô gigante, chutando o Grodd do Cockpit. Batman não sabia o que fazer até que o Gorila, depois de apanhar feito jogador de futebol brasileiro jogando Libertadores, acaba se aliando, dessa vez de verdade, ao Batman, oferecendo seu exército de macacos. O tal exército acaba assumindo uma formação bizarra e se transforma num outro robô gigante. Agora finalmente o Batman conseguiria acertar as contas de vez com o Coringa, que começou a brincadeira e agora se fodeu. Depois dessa treta, todo mundo volta ao seu devido tempo e uma cena pós-créditos mostra o Batman chegando a tempo no Baile dos Enxutos.

Batman Ninja, no fim das contas, é um produto da ousadia da Warner em fazer alguma coisa diferente. A liberdade criativa que eles deram à equipe de produção acabou permitindo uma série de decisões interessantes que, em alguns momentos, ultrapassaram a coesão da obra e que acabou deixando ela até um pouco esquizofrênica, como no momento em que o Batman encontra o Coringa camponês e a animação larga a computação gráfica para assumir um estilo mais tradicional em 2D, mas emulando arte japonesa de modo similar a O Conto da Princesa Kaguya, do Ghibli. Essa mudança momentânea é interessante, mas acaba causando algum estranhamento em quem está assistindo.

O Coringa em si é um show à parte. Eu, que nutro uma relação de amor e ódio por esse filho da puta, dou o braço a torcer e admito que é esse o Coringa que eu realmente quero e gosto de assistir. Ele é simplesmente maluco e nada do que ele faz tem algum sentido, sendo que no fim tudo o que ele quer é atazanar o Batman, apenas. É notável como a equipe de animação prezou bastante pela representação do Jóquer, atribuindo expressões faciais exageradas de uma forma que lembra bastante o Kabuki, teatro clássico japonês em que os atores representam com maquiagem pesada, similares à do Coringa. Além disso, nota-se uma preocupação com o “encolher e esticar”, um dos doze princípios básicos da animação. Dessa forma, as caras e bocas famosas do personagem são transpostas para a tela sem exagerar na caricatura e criar o que a internet chama de QUALITY ao se referir a animações esquisitas.

O problema de tanta atenção ao Coringa é que os outros personagens acabaram ficando um pouco deslocados na trama. Os outros vilões presentes têm pouquíssimas falas e tempo em tema. Na hora do pau mesmo, quando cada um dos Robins iria enfrentar algum deles enquanto o Batman tem seu embate contra o Coringa, as batalhas acabam ficando em off. Obviamente, a duração do filme, apenas uma hora e vinte e cinco, contando créditos iniciais e finais, acabou prejudicando a própria narrativa. Com duas horas, talvez fosse possível não só dar mais destaque a eles como também inserir mais linhas de diálogo de um modo geral para arredondar um pouco mais a trama como um todo. No fim das contas, o produto final acabou ficando meio corrido, o que é uma pena.

O próprio Grodd ficou meio deslocado na situação toda. Primeiramente porque ele é um vilão do Flash, não do Batman. Depois, tem a questão dele acabar passando de vilão coadjuvante para vilão principal para depois ser rebaixado novamente a personagem coadjuvante. O gorilão é mais inteligente do que isso. Chega a ser escroto ele não se importar nem um pouco com o Coringa depois que ele supostamente some para viver como um camponês amnésico, visto que O Palhaço é sabidamente é perigoso para caralho.

Ainda assim, é notável como a presença do personagem, por mais que esquisita que seja justamente por ser do Flash, acaba costurando um monte de justificativas, como quando foi indagado pelo motivo de ter construído uma máquina do tempo e ele responder apenas “porque eu podia”. Isso é a cara do personagem, que é um bichão inteligente e vai querer botar em prática o LOL CIÊNCIA em qualquer situação possível, sem falar que um plano complexo acabaria tomando ainda mais tempo de história que aqui já é bem escasso.

O Batman acabou ficando bom. Acho que é uma das poucas iterações recentes do personagem que realmente me agradaram — mentira, porque eu gostei do Batman parrudo do Batman V Superman. Aqui ele é um bundão trouxa que foi pego desprevenido num ambiente completamente hostil e desconhecido. Com isso, tomou um cacete atrás do outro para mostrar que ele é um merdinha sem seu famigerado preparo. Depois que finalmente se aceitou como um zé-ninguém e que deveria parar de ser cabeça-dura ao se propor a entender o mundo onde estava naquele momento é que houve uma evolução real do personagem.

No fim das contas, é fascinante como foi preciso uma intervenção japonesa para salvar o mercado de filmes de herói. E que foi justamente um negócio ocidental, no caso, o Batman, para salvar a indústria de anime também, por tabela. Batman Ninja une o melhor de dois mundos em mongolices que misturam o Japão clássico feudal,  estigmatizado ao ponto de vista ocidental, com ideias modernas, como a tecnologia, robôs gigantes e outros mechas. É uma pena que tenha tropeçado no empecilho de ser um produto menor (distribuição apenas por streaming e Blu-Ray), e experimental, o que acabou prejudicando um pouco a animação como um todo em certos critérios de exigência comercial, como a necessidade de uma história mais bem-amarrada.

Olha só, com tão pouco, conseguiram me entreter e me empolgar. Bastou tentar fazer, mesmo que só um pouquinho, algo diferente. É bem melhor do que o produto enlatado e em conserva de um certo estúdio com o selinho vermelho, que não tenta absolutamente nada além da zona de conforto, nem mesmo em mercado reduzido.

Isso tudo porque eu não falei também das FODENDO JOJO REFERÊNCIAS escondidas no negócio.


Informações

  • Baseado em “Batman”, criado por Bill Finger e Bob Kane
  • Duração: 85 minutos
  • Ano: 2018
  • Direção: Junpei Mizusaki
  • Roteiro: Kazuki Nakashima
  • Trilha Sonora: Yugo Kanno
  • Estúdio: Kamikaze Douga

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