Os Live Action ocidentais e a desvalorização da animação

Ou: Como os Live Action são conceitualmente errados e os reclamões a respeito deles conseguem estar mais errados ainda.

Um bom naco desse texto eu já tinha concebido anteriormente em outra versão, quando o longínquo e flopado Live Action da parte 4 de JoJo foi anunciado nos idos de 2016. Na época eu não levei muito a sério, mas depois eu vi que era para valer, com elenco e diretor confirmados. Naquele momento eu já torci o nariz. Não é por JoJo ou por ser a parte quatro, que eu considero uma merda, mas pelo conceito de Live Action em si.

Eu sei que isso gera buzz. De um modo geral, as pessoas não gostam de Live Action ou adaptação de absolutamente qualquer filme. Entretanto, por algum motivo, ainda acreditam lá no fundo de que será bom. Eu me lembro muito bem de todos vocês hipócritas esperançosos com aquela bomba que foi o de Fullmetal Alchemist. A verdade é que eu não vejo que os problemas dos Live Action estão em sua qualidade constantemente questionável do produto final.

Lembro-me muito bem da empolgação com o filme de FMA na época dos trailers. Não finja que não aconteceu.

Meu questionamento é: Por que há necessidade em fazer esses Live Action? Qual é a real necessidade da parada? Isso vem muito, acredito, do demérito que atribuem a qualquer animação propriamente dita. Digo, você tem uma história já feita em uma mídia, que é o mangá. Já fazem uma adaptação ipsis litteris do original em audiovisual animado, algo que eu já começo a questionar, uma vez que eu quero novas histórias, não exatamente a mesma coisa — o que geralmente me faz defender tanto a questão dos fillers em anime. Aí me aparecem com mais uma adaptação de uma história que todo mundo já conhece e que ainda está no imaginário dos fãs de forma fresca por causa do anime que ainda nem terminou de ser exibido.

Porra, a gente já tem a animação. Questiono se no quesito de storytelling, a animação, por acaso, é, sei lá, uma mídia com modificador de -1, como se valesse menos do que um filme com atores de verdade. Aliás, eu acho que é justamente o contrário, na animação é possível alcançar um surrealismo fantástico por ser algo totalmente abstrato que jamais vão alcançar em qualquer animação utilizando seres humanos e gente filmando.

O tempo passou e ainda nem assisti a esse troço. Quem se lembra dele, afinal? 

A meu ver, quaisquer porras de live action é desnecessário. Primeiro pela classificação “filme live action”, justamente por ser algo que já debocha da classificação “animação” do original, como se não fosse filme também. Segundo porque vão gastar dinheiro em uma história que todo mundo já conhece que poderia ser melhor gasto em algo novo.

Para ter uma ideia, eu já torço o nariz para adaptação assim até que nem a Disney está fazendo. Os originais já são histórias que não pertencem à Disney, tudo bem. No entanto, não é como se ela estivesse promovendo essas películas todas como se fossem novas versões da história original, mas justamente versões Live Action dos supostos clássicos animados da própria empresa, o que é escroto, uma vez que ela nem é dona dessas histórias.

Não mentirei: o do Aladdin eu tenho curiosidade, embora acredite que vai ser outra bosta. Não, não vejo problema no Will Smith. Ele combina com o papel. 

Afinal, O filme de Bela e a Fera foi desastroso. O de Cinderella flopou e ninguém lembra que existe. O roteiro de Malévola é uma afronta de tão idiota, visto que essa história de humanizar vilão já deu no saco. O Mogli foi um filme abusivamente chato que teve outro filme chato como base. Isso sem falar do vindouro filme do Rei Leão que, bem, não é Live Action, para início de conversa.

Entretanto, eu entendo dois motivos que ainda assim me fazem aceitar, mesmo que com um pouco de relutância, esse conceito que aqui discutimos. O primeiro é o potencial mercadológico inerente dessas obras. O segundo — referindo-me mais especificamente aos Live Action hollywoodianos de obras que não são ocidentais, como Ghost in the Shell e Speed Racer — já envolve uma noção de ego frágil da indústria estadunidense que se pensa a pica das galáxias e não vai admitir que uma história boa não tenha sido feita por eles. O primeiro ainda é mais influente nessa questão toda. O fascínio que a indústria americana de cinema tem com Akira não deixa a gente esquecer o segundo.

O foda é que não é só um filme de Speed Racer. Espiritualmente, também dá para dizer que é um filme de F-Zero. 

E aqui chegamos ao motivo específico de ter ressuscitado essa pauta: o live action de Kimi no Na Wa. Porque bem, entrei na internet e ela estava em polvorosa porque, pasmem: a indústria AMERICANA de cinema vai fazer um filme que se passa nos ESTADOS UNIDOS e com personagens ESTADUNIDENSES. Que afronta a essa obra-prima, não é?

Primeiro: Kimi no Na Wa é uma bosta por si só, assim como todo o trabalho do Makoto Shinkai. Segundo: Quem vejo reclamar é um hipócrita de merda, visto que se refere ao filme como Your Name, o nome já americanizado da parada, em vez de usar o original na hora de reclamar como os Estados Unidos distorcem tanto uma obra que teoricamente seria fruto de outra cultura. Terceiro (e mais importante): aquele que encrenca com essa adaptação se mostra apenas um sofomaníaco que desconhece a história do próprio cinema, visto que aparenta desconhecer completamente a história por trás de Sete Homens e um Destino.

Não bastasse o original, eles fizeram uma nova adaptação da adaptação.

A fim de deixar o texto mais longo, explico: Magnificent Seven (nome original) não é nada mais, nada menos do que uma espécie de remake de Sete Samurais, do Akira Kurosawa. Entretanto, considerando que samurais não tinham qualquer atrativo para o público da época, em plenos anos cinquenta (o filme foi lançado em 1960), eles trataram um roteiro que adaptasse o bruto da história em um contexto muito mais compreensível para a massa consumidora. Dessa forma, reclamar do live action de Kimi no Na Wa só por reclamar é simplesmente cuspir na história do cinema, goste você ou não.

Em tempo, não é como se o roteiro de Kimi no Na Wa fosse essencialmente japonês e passível de pouca adaptação. Na real, ele poderia se passar absolutamente em qualquer lugar do mundo, basta retocar a história. Exatamente, mudar a obra original. Fale o que quiser, mas Laranja Mecânica é um exemplo até hoje. Mesmo o Ghost in the Shell original, pouca coisa se manteve na transição do mangá para o filme animado.

Na minha opinião, a adaptação foi impecável. O que tem de errado é simplesmente porque o original não funciona no ocidente. 

A sua versão ocidental com a Scarletzinha, por sua vez, está MUITO LONGE de ser ruim, principalmente pelos problemas que alegam. A questão do Whitewashing, por exemplo, é completamente infundada, visto que já no próprio mangá já é explicado que, no instante em que a consciência de um indivíduo é transplantada em um androide, uma mudança estética total pode ser promovida na carcaça física receptora — incluindo uma mudança de sexo, por exemplo. Dessa forma, reclamar da escalação da Scarlet Johansson é literalmente ignorar a justificativa já dada pela obra original, demonstrando que tal chororô é carente de conhecimento prévio que o justifique e o sustente.

Mesmo no roteiro, a principal mudança é o fato de terem adicionado antagonistas que façam a história se tornar preto no branco, ao contrário da sutileza presente e constante das obras orientais a respeito disso. Hollywood não tolera finais abstratos. Isso é uma característica desse mercado e não essencialmente um defeito. Explicar o nome “Ghost in the Shell” de uma maneira tão didática não é um problema e é necessário, senão rola choro por parte do público, visto o que aconteceu com Batman V Superman em contraste aos filmes enlatados da Marvel.

Apesar de parecer esquisito num primeiro momento, esse olhão ficou bem natural ao longo do filme em si. 

É por isso que creio que Alita: Anjo de Combate vai fracassar nas bilheterias. Achei um filme legalzão, mas com um final tão aberto daquele jeito e até mesmo anticlimático, julgo eu, é muito provável que ele simplesmente não dê certo, assim como Ghost in the Shell. Isso, obviamente, limaria todas as chances de uma sequência, cujas brechas no primeiro abriram possibilidade e que, dado o final, é estritamente necessária. (Por isso que eu peço: assistam Alita no cinema. Por favor).

Claro que a película passou por todas as adaptações que um filme desses exigiria, principalmente na construção do ambiente, suavizado justamente porque um filme muito mais denso tornaria difícil para o público digerir — só olhar que, apesar de clássico, Blade Runner está muito longe de ser considerado unanimidade na esfera popular (por isso que ele é cult, aliás, por ter um nicho específico e módico que o cultua).

Para encerrar, sabe outro filme legalzão que sofreu uma adaptação e o tornou verdadeiramente legal, ao contrário de seu original abusivamente chato? Speed Racer. Digo tranquilamente que é o melhor filme das Wachowski, mesmo a frente de Matrix — admitamos, o resto do trabalho delas é uma bosta fétida. Se você também reclama do Speed Racer, sinto muito, mas boa pessoa tu não és.

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