Meu próximo post (que já está pronto) ia ser sobre um tuíte merda sobre como Naruto tem boa representação de certos personagens em relação a Dragon Ball, mas eu passei esse aqui na frente por causa de outro tuíte merda que um passarinho (bochechudo) me mostrou:
Agora vamos então em parte, começando com definições, ok? A melhor maneira de entender “cultura de massa” é pensar também no conceito de arte. Pensemos na Mona Lisa. Ela, a que está sendo exposta lá no Louvre, tem uma espécie de “aura” em volta dela porque ela é A ORIGINAL, A ÚNICA obra. A questão é que, na era da reprodutibilidade técnica, essa aura se esvai quando é reproduzida em uma capa de caderno, por exemplo. O responsável por cunhar essa conceituação foi Walter Benjamin, em uma obra chamada “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, em 1936. Esse ponto de vista coloca a arte como um objeto impassível de discussão, completamente intocável — coisa da elite, beirando o fascismo. Essa reprodutibilidade técnica tem suas qualidades porque acaba levando a tal obra a um cidadão comum, tirando essa exclusividade intelectual.
Concomitantemente, essa mesma reprodutibilidade técnica foi apropriada pela própria elite burguesa e a converteu na indústria cultural, transformando-a em um produto completamente mercantil e fetichizado, como é definido por Adorno ao discorrer sobre como a indústria cultural é a evolução do conceito de cultura de massa, abominando-a.
Vamos pegar outra conceituação, agora por McLuhan, em Visão, Som e Fúria:
“Cinema, rádio e televisão situam certas personalidades num novo plano de existência. Elas existem não tanto em si mesmas, mas como tipos da vida coletiva sentidos e percebidos através de um meio de massa. L’il Abner, Bob Hope, o Pato Donald e Marilyn Monroe tornam-se pontos de consciência coletiva e comunicação para uma sociedade inteira”.
Essa definição bota a cultura de massa não como uma forma de domínio burguês, mas também uma forma do próprio público entender a sociedade em volta de si. Ou seja, para McLuhan, a cultura de massa é um fenômeno de massificação da suposta arte que justamente a liberta de uma elite intelectual.
Isso se aplica também ao videogame. Se ele fosse arte, ele seria inquestionável e inacessível. Para uma galera que estufa o peito falando que a indústria dos jogos é maior do que a do cinema, há uma clara contradição nesse pedestal. Aí a gente ressalta que o fato de ele não ser arte não se trata de um menosprezo, mas justamente de uma característica da qual tal mídia pode se aproveitar.
Voltando ao mangá, o produto físico “mangá”, aquele livrinho que você compra na banca Amazon, deixa de ser arte no exato momento em que ele chega ao mercado, seja físico ou digital, visto que é algo pode ser facilmente compartilhado e disseminado — só pensar na possibilidade de copy/paste inerente a qualquer arquivo de computador, por exemplo. A aura dele se esvai no momento de sua publicação.
“AH CREISSO, VOCÊ VAI CONCORDAR COM O TUÍTE, JÁ QUE DRAGON BALL SUPER, QUE É UMA BOSTA E CUSTA VINTE E TRÊS PILAS, E O POKÉMON, QUE CUSTA VINTE E É PRODUZIDO COM PAPEL DE LIMPAR A BUNDA, SÃO COMPLETAMENTE ELITIZADOS E ACIMA DO PADRÃO DE CONSUMO PARA UM CONSUMIDOR COMUM, NÃO É?”
Errado! O conceito de cultura de massa é completamente indiferente ao preço físico do produto em si, visto que esse atributo mercantil nada mais é do que a simples apropriação da própria elite ao tentar atrelar novamente um valor a ela, trazendo justamente a questão da fetichização do produto ao alegar que “se você comprar, você pode ser superior como nós”, fomentando um fenômeno chamado “nicho”.
A questão é que o fato de um produto ser nicho não o torna menos cultura de massa, visto que a contraposição desse conceito é justamente a ideia da aura artística que, a essa altura do campeonato, foi embora faz tempo. Mangá não deixa de ser história em quadrinhos. Dizer que mangá é produto de nicho é exatamente uma retomada daquela ideia da elitização fascista descrita por Benjamin, principalmente quando se depara com o problema de que dá pra ver DIJITAU INFLUENSERSZ e INPREMÇA EZPESSIALHIZADA dando moral para essa merda.
A cultura de massa diz respeito essencialmente ao mangá como um formato de mídia (seja impresso, seja digital) disseminação de ideias. E, sim, ele atinge um público muito maior do que seu próprio nicho. Como? Então, sabe quando você vê variações desse meme do Kira:
Ou desse aqui, ao som de Roundabout?
Pois bem, você com certeza já viu isso com outros textos e postado por pessoas sem ter relação nenhuma com a otakusfera e que não têm ideia de onde eles originalmente vêm. É quando retomamos àquela definição do McLuhan:
“Cinema, rádio e televisão situam certas personalidades num novo plano de existência. Elas existem não tanto em si mesmas, mas como tipos da vida coletiva sentidos e percebidos através de um meio de massa. L’il Abner, Bob Hope, o Pato Donald e Marilyn Monroe tornam-se pontos de consciência coletiva e comunicação para uma sociedade inteira.”
Vê? “Elas existem não tanto em si mesmas, mas como tipos da vida coletiva sentidos e percebidos através de um meio” e são “pontos de consciência coletiva e comunicação para uma sociedade inteira”. Aí vem a minha sugestão para alterarmos um pouco esse trecho para encaixarmos ele no nosso contexto:
“Naruto, JoJo, Pokémon e Dragon Ball tornam-se pontos de consciência coletiva e comunicação para uma sociedade inteira”. A forma como o Brasil abraçou a zoeira do Naruto e vê seus memes viralizando com uma força absurda é um exemplo claro de que o mangá e o anime são cultura de massa não pelo seu contexto caro de consumo direto, mas pela ideia que tais obras já estão completamente impregnadas na nossa sociedade hoje. Talvez eu esteja superestimando, visto que meu pai não vai entender se eu disser algo sobre “Naruto”. Mas entende a questão da abrangência do negócio? A consumação não é necessariamente ativa.
Pense também a quantidade de gente que pega um Attack on Titan, One Punch Man e Death Note sem ser do nicho. Você pode alegar que são exceções, mas então quer dizer que não há pelo menos uns dois filmes independentes e obscuros produzidos na França para cada entrada no universo cinematográfico da Marlel? Então quer dizer que o Superman não é um produto da cultura de massa porque existe um Milo Manara produzindo gibis que não fazem tanto sucesso quanto?
Dizer que mangá não é um produto de massa no Brasil é um pensamento estritamente superficial, visto que se refere apenas a edições físicas, quando cultura de massa diz respeito a todo um fenômeno provocado pela obra. O mangá caro e pouco democrático é consequência justamente da mídia “mangá” ter se tornado um produto de cultura de massa, como produto fetiche. Quando a imprensa (e as próprias editoras) querem defender aquele tuíte de que mangá não é cultura de massa, elas só querem se elitizar e tirar o cu da reta para pagarem de mídia superior. O discurso de que querem que todo mundo leia mangá é balela, visto que a imprensa quer ser elite e as próprias editoras querem enganar esses trouxas para se pensarem elites.
Aí entra um pouco a experiência pessoal. Eu sei disso por causa do fandom de JoJo.
A gente da época roots dos scans chineses queria que todo mundo conhecesse a série.
Agora essa mesma turma nossa logo se arrependeu e não quis mais :^)
E agora sim dá pra dizer que mangá é cultura de massa há um bom tempo hein (no nosso país tupiniquim no caso).