Jornalisticamente falando, essa treta sobre a emulação do Metroid Dread tem mais a ver com a linha editorial do Kotaku do que com a emulação em si. O que rolou é que, aparentemente, os seguidores do Kotaku simplesmente não esperavam isso dos caras e pronto.
Veja bem, muito se reclama sobre a falta de imparcialidade do jornalismo de games. Sobre como é uma imprensa totalmente comprada pelas empresas, com conteúdo totalmente chapa-branca e ausente de crítica justamente porque iriam perder a boquinha que eles têm com tais marcas importantes no mercado.
Quando finalmente um veículo de grande porte abre mão disso, o que você vê é essa problematização somada ao backlash. Digo, é realmente uma novidade que emulação existe? O que o Kotaku fez foi simplesmente trazer uma informação a respeito da emulação do game e acabou. Falar que uma matéria como essa estimula a prática é o mesmo discurso babaca do minion que fala que o Jornal Nacional noticiando a respeito do COVID é torcer para o vírus.
Emulação não é só “manter a história dos games viva”, como estão repetindo por aí como um mantra. Emulação tem a ver com valores do código de ética hacker que remontam lá atrás no MIT, do Tech Model Railroad Club. Não é uma discussão tão simples e dicotômica como estão querendo reduzir.
Na prática, esse choro todo é esquizofrênico demais, a meu ver. Falando sério, acho muito melhor esse tipo de notícia, que publicizam os verdadeiros avanços tecnológicos feitos pela comunidade, do que aquelas matérias imbecis demais do tipo OLHA SÓ ESSE COSPLAY INCRÍVEL DE UM PERSONAGEM CUJO JOGO SAIU SEMANA PASSADA.
Outra coisa: a gente brinca que pirataria de videogame é belo e moral, mas isso nada mais é do que um discurso irônico, desses que a gente faz dando risada justamente para não chorar. Pirataria acaba sendo um crime que o indivíduo pratica porque a gente, como latinos em considerável situação de precariedade em comparação ao resto do mundo, é um povo fodido que vê nessa prática uma forma de não ficar atrás no processo de consumação cultural global.
É, o debate é muito mais profundo porque cultura é um negócio excessivamente caro no nosso país. E entramos em outro debate que trata a respeito do monopólio artístico por uma parte economicamente avantajada da população e como isso é a elitização da cultura e se trata da alienação das massas proletárias de baixa renda que não podem ter acesso a isso, visto que elas precisam é trabalhar para sustentar patrão.
Principalmente porque a gente ia estar completamente fodido para jogar alguma coisa velha, se dependesse de grandes empresas. Imagina se o Louvre pegasse a Mona Lisa a colocasse num galpão velho por toda a eternidade. Ou ainda, se todas as imagens do mundo da Mona Lisa fossem proibidas até mesmo de serem reproduzidas digitalmente, sendo necessário pagar uma quantia em dinheiro para contemplar esse símbolo da humanidade — porque é isso o que ela faz cobrando pelo acesso a jogos velhos que a essa altura do campeonato já deveriam é ser domínio público.
E aí retomamos ao Kotaku, que inclusive teve que fazer a porra de uma nota explicando que não esperava que os leitores fossem tão imbecis a ponto de rechaçarem a divulgação desse tipo de informação.
Isso mesmo: finalmente quando a GRANDE IMPRENSA DE GAMES™ dá uma dentro, ela é hostilizada. Parabéns aos envolvidos.
Mas se é para divulgar que MAIS UM JOGO VÉIO foi importado para dentro da merda da Unreal Engine, todo mundo acha lindo, né? Sendo que, lá no fundo, ambas as práticas são a mesma porra.
Aliás, se por algum acaso um eventual leitor quiser mais informações a respeito dos temas aqui citados, eu recomendo o meu texto sobre a treta da Crunchyroll metendo um cease and desist para os sites de anime e este outro sobre mangás e a elitização da cultura. E tem um outro ainda, sobre a forma como o jornalismo de games funciona mais como uma assessoria de imprensa terceirizada do que como, sei lá, jornalismo.