Análise: The Batman

Quem diria que, com tanto material em estágio de produção, o próximo texto do meu blog seria justamente uma análise sobre o novo filme do Batman, não é mesmo? Se bem que não é lá uma novidade realmente inesperada, já que discorri sobre o morcego uma infinidade de vezes aqui nessa espelunca de blog cujo nome gera desconfiança no público que não quer clicar nos links quando são compartilhados.

Bom, o que se vê em The Batman é uma tentativa de trazer um pouco do lado detetive do morcegão que foi negligenciado após tantas adaptações, mais fracassadas do que realmente boas. No caso, trata-se de um herói em seu segundo ano de atividade. Ao longo das fodendo três horas do filme, o que se vê é ele investigando os assassinatos de pessoas públicas de Gotham que foram obras do Charada.

Nesse meio tempo, o Batman também acaba se envolvendo com objetivo particular de Selina Kyle, que consistia em salvar a amiga e se aproximar do Carmine Falcone para se vingar da morte da mãe — por enquanto, infelizmente, nada de ladra de joias. Algo que julgo positivo, inclusive, porque a melhor condução do longa-metragem diz respeito justamente ao núcleo da máfia de Gotham.

No fim das contas, a Mulher Gato consegue sua vingança e o Charada, embora tenha sido desmascarado e preso (mais porque se deixou levar a isso), ainda consegue uma última ação criminosa: mesmo da cadeia, ele explodiu as docas da cidade e fez com que Gotham fosse completamente inundada. Ah, o Pinguim também consegue se consolidar como o principal mafioso da cidade.

Acho que o que mais me impressionou logo de cara foi a decisão acertada em não apresentar o histórico do personagem. Isso foi brilhante porque, caralho, a essa altura do campeonato, todo mundo já sabe quem é o Batman. A gente não precisa rever, pela quinquagésima vez, a cena dos pais morrendo, principalmente depois da versão impecavelmente definitiva do Snyder em Batman V Superman. Sim, aquela é sim uma cena visualmente incrível, com todos os maneirismos do cara, com slowmotion e tudo. Supere essa birra gratuita e replicada como mantra por causa da narrativa emplacada pelos digitalz influencerz.

Falando em Snyder, aliás, o que The Batman mais tenta, o tempo todo, é emular o seu estilo visual. O tom escuro e melancólico, especialmente do começo de Batman V Superman, com aquela cena do morcego resgatando as moças do cativeiro, se faz presente ao longo de todo o longa ao mesmo tempo em que rola uma trilha grunge completamente aleatória alternada por música clássica pretensiosa. A única coisa que faltou mesmo foi o slowmotion nas cenas de ação.

Inclusive, slowmotion pode ser o principal vício do cara, mas ele conduz cenas de ação muito bem-feitas, ao contrário do que o Matt Reeves fez aqui. Embora haja algumas ideias bacanas, como a treta do elevador com a luz piscando ou a briga logo quando o morcego entra no clube noturno, a composição geral e coreografia ficam muito a desejar. A impressão que eu tive é que houve uma tentativa de replicar a percepção de quem assiste a alguém jogando os games da série Arkham, quando o protagonista enfrenta vários capangas em simultâneo, mas na prática ficou aquém porque foram mal sequenciadas.

Tal crítica se estende a até mesmo à tão elogiada cena da perseguição de carro contra o Pinguim. O começo dela, com o motor do Batmóvel roncando com agressividade é incrível, mas logo depois você vê uma edição picareta e sem fluxo algum dos dois se caçando na contramão da avenida. Cheia de cortes secos que não dão sequência a outras tomadas que também não dão sequência a nada.

The Batman inteirinho tem problemas de montagem, inclusive, faltando algumas tomadas de transição que serviriam não só para ilustrar a passagem do tempo como também dar um respiro para que o cérebro do espectador processe o que acabou de acontecer, impedindo pensamentos do tipo “como é que a gente chegou nesse ponto da história mesmo?”. Amenizar a angústia em certos momentos também ajudaria, inclusive, a intensificar o efeito que deveria ser produzido por outras ocasiões de tensão exacerbada.

Sabe quando a gente tem um professor que não altera a tonalidade da voz em absolutamente nenhum ponto da aula? Pois é, é esse o ritmo de The Batman, ele é monótono na definição mais pueril do termo: com um único tom. Turma reclama da montagem de Esquadrão Suicida, mas aqui todo mundo acha lindo esse modelo de acontecimentos encavalados, né? Se acredita que essa comparação é esdrúxula ou exagerada, vamos falar de outra obra, já que o negócio fica patético se você compara com cenas de perseguição como as de Baby Driver (Em Ritmo de Fuga, no Brasil), por exemplo.

A dita cena do acossamento, aliás, traz um desfecho incrível, admito: rola uma explosão com o Batmóvel saltando das chamas impávido. Nisso, o herói sai dele e caminha lentamente em direção à tela. A sacada é que ela está sob o ponto de vista do Pinguim, cujo carro capotou e, portanto, vê tudo de ponta cabeça. A execução dessa tomada em específico foi, de fato, maravilhosa, e é por ser a última impressão de tal sequência que as pessoas ignoram o completo furdunço de edição que veio antes.

Essa explosão, inclusive, deve ter matado uma pá de gente, mas a busca do pelo nesse ovo não se aplica aqui, né?

Independentemente, mesmo essa cena tem um problema: a trilha sonora do filme fica repetindo em ad infinitum o mesmo tema compassado a todo momento, o tempo todo. É sempre a mesma música em duas formas diferentes que vão se alternando de acordo com o clima do que está rolando na tela. Considerando que são três horas de filme com problemas notáveis de ritmo e edição, isso é um problema.

Falando na série Arkham, o maior mérito foi justamente mirar e acertar em cheio na estética gótica moderna dos games. Gotham não é para ser realista e tem como diferencial justamente a vivência melancólica e soturna de seus cidadãos que só não saem de lá porque não têm exatamente como remontar a vida em outro lugar. The Batman é obscuro, de fato, mas ainda traz um viés extremamente fantasioso que contribui para uma atmosfera bastante intrigante, com uma aura mítica que não se via desde os filmes do Burton (Gotham, o seriado, chegou perto, contudo).

Aproveito para ressaltar que as pessoas precisam parar de achar que o fato de The Batman ser um filme sobre um herói sem poderes não irá torná-lo “realista” em momento algum. Inclusive, o melhor seria parar de usar esse adjetivo como uma forma de dizer que o filme é bom, ou que é isso que o faz bom. Batman realista é uma perspectiva idiota e, mesmo se não fosse, The Batman não traz uma abordagem dessas. É a mania de falar sobre verossimilhança sem realmente entender o que tal definição implica.

Enquanto o longa-metragem acerta em cheio na atmosfera, chamo a atenção para seu principal problema: roteiro. Acho que o Goyer botou uma maldição quando escreveu The Dark Knight e tornou impossível escrever um filme do morcego sem tentar soltar uma frase feita a cada linha de diálogo. É bizarro e angustiante. Monólogos do Batman ao longo do filme são constantes e consequentes de uma escrita igualmente constrangedora. Sabe quando você vê umas paródias do Batman, em que ele fala consigo mesmo em primeira pessoa umas frases de efeito sem nexo algum só para parecer dramático e maneirão? Então, o BatPattinson está cheio dessas. O monólogo inicial é bizarro de embaraçoso.

É em The Batman também que encontramos as iterações mais imbecis de todos os aliados do morcego. O Gordon é vergonhoso como um todo, com linhas que não ajudam e que pouco se esperam sair do personagem em questão. O Jeffrey Wright é muito bom ator, mas aqui é fácil uma das piores performances da carreira, ficou uma atuação artificial demais, forçada. Alfred, por sua vez, é facilmente um inútil. O cara passa a semana inteira analisando a caligrafia do Charada para receber um pacote com a mesma letra tosca e não fazer a assimilação. Belo agente do MI6 esse aí.

Sobre o Charada em si, tenho certeza de que ele é outro legado daquelas merdas daqueles filmes do Goyer com o Nolan. Ele se trata de um indivíduo completamente maluco, mas ao mesmo tempo dá um pouco de vergonha assistir porque ele quebrou a lei de Trovão Tropical no que diz respeito a personagens de cognição afetada. É, aquela que diz que um ator nunca pode ser totalmente, sabe? Aliás, ter quebrado essa lei foi justamente o que o tornou muito melhor do que se esperava.

Isso porque se esperava muito pouco dele, para início de conversa. Puta ideia idiota de replicar o assassino do Zodíaco, hein? Ainda mais com uma motivação igualmente imbecil — era só um órfão que se revoltou com a sociedade porque o Wayne pai morreu antes de colocar em prática a revitalização de Gotham e o filho não fez nada para continuar o legado. Com tal motivação, somado ao seu modus operandi e aparência low-cost, seria muito melhor e certeiro se tivessem usado o Anarquia como vilão. O mesmo vale para o Coringa do Ledger, ressalta-se, mas não vou me estender.

As charadas em si também são medíocres — embora tenham sido bem traduzidas para o português. Faltou fazer o Batman quebrar a cabeça para valer ao tentar resolvê-las A maioria foi rapidamente solucionada e o roteirista pareceu até um fanfiqueiro querendo escrever mistério. Fraco demais nesse aspecto. Inclusive, esse é o filme do Batman com a menor presença dos vilões ao longo da trama. Apesar de Espantalho, Ra’s Al Ghul, Coringa, Duas Caras, Talia e Bane (todos do Nolan) serem um lixo supremo, eles ao menos ficaram enchouriçando ao longo do enredo todo, demarcando território feito um cachorro mijão.

Em relação à Mulher Gato, há sentimentos variados. Novamente, o que incomoda nela vieram de decisões toscas de roteiro. Sente-se uma falta considerável da ladra de joias que gosta da vida luxuosa. É claro que agora, sem a ambição de derrubar o Falcone, ela finalmente pode começar a enriquecer e agir de maneira mais excêntrica. Ainda assim, esse lado poderia ter sido insinuado em alguns momentos justamente para deixá-la uma personagem menos unidimensional, por assim dizer.

Vamos falar do próprio Batman? Todo mundo lambendo as bolas e se rendendo ao Pattinson, né? Pois é, eu também gostei do que vi. Genialmente louco e agressivo, sem tempo para conversinha e com o sangue nos olhos contra qualquer capanga incauto. Melhor ainda, é um Batman que, em vez de deixar tudo para algum supercomputador resolver, faz trabalho de detetive, perseguindo o alvo às escondidas e ficando de tocaia quando necessário. DE-TE-TI-VE. Um não muito bom, mas ainda detetive.

O uniforme, mesmo sendo mais um exemplar da ideia cagada de fazer uma armadura como a roupa do morcego, composta por placas sólidas em vez de uma vestimenta elástica (como a de uma voltada para o atletismo de alto rendimento), até que funcionou bem melhor do que os anteriores que seguiam essa linha e até mesmo limitavam o movimento daquele que ao menos deveria ser um dos principais artistas marciais do planeta. Ressalto positivamente, inclusive, o material da capa, meio emborrachada, em vez daquela flanela inútil e sem vergonha utilizada nas iterações anteriores.

Em contrapartida, em vez dessa maquiagem preta em volta do olho, o ideal era que fosse um visor completamente branco. Eu acredito que a não utilização disso seja, na verdade, deliberada, visto que o olhar é um dos elementos que mais colaboram na atuação por parte de um ator (janela da alma, blá, blá, blá) e simplesmente ocultá-lo tornaria o Batman ainda mais bonecão e impessoal. Acho compreensível, mas também acredito que valeria um teste.

Outro ponto negativo é o Batman sentindo uma espécie de tesão bizarro pelo moleque órfão, algo que chega a ser cômico. Que cena merda. Não consegui deixar de pensar nos memes em que o morcego não pode ver um órfão sem ter a necessidade compulsiva de cooptá-lo no intuito de fazê-lo um novo Robin. Por outro lado, há alguns detalhes legais, como quando ele acordou e botou óculos escuros em um ambiente que já estava a meia-luz, nos mostrando um maluco ficou tão pirado e se tornou uma criatura noturna fotossensível.

Analisando como um todo, o principal problema de The Batman não está nem na sua história, que é comum (e inspirada em gibis do Loeb, que, por via de regra, são uma merda), mas na escrita em si e o desespero de esticar tudo quanto é cena só para inflar o tempo do filme e fazê-lo parecer um grande épico do cinema. A culpa, então, recai bem no script, que também tropeça com força na hora dos diálogos, que são forçados e constrangedores.

E é claro que sempre existe o fantasma das ideias idiotas que respingam em cascata nas produções da Warner. Superman não pode beijar sobre os escombros, mesmo depois de ter achado que a treta toda tinha acabado, mas o Batman pode dar uns amassos na Mulher-Gato logo quando tem a cidade inundando em tempo real abaixo dele. Na moral, o filme todo precisa ser enxugado com o objetivo de cortar algumas sequências desnecessárias e outras pontas narrativas inteiras.

No lado da direção, o Matt Reeves faz um belo trabalho sim, mas ainda precisa se provar como algo mais do que um diretor operário. Maior mérito é, de longe, a construção da atmosfera que nitidamente foi influenciada pelos jogos Arkham. Fã diehard vai reclamar porque bebeu de uma fonte que não é estritamente gibi, mas se os próprios games da Rocksteady já fizeram esse serviço com sucesso, não  existe problema algum de seguir a tendência por aí.

Aliás, o Reeves também precisa aprender a produzir cena de combate com urgência para uma eventual sequência. Talvez devesse conversar ou estudar um pouco com o David Leicth, que sabe fazer porradaria com maestria e ainda aplicada a essa ambientação noir, como é o caso de Atomic Blonde e John Wick. Inclusive, por favor, por tudo o que é mais sagrado, esqueçam o porra do Coringa! Batman tem uma galeria gigantesca de vilões que renderiam um filme decente, a exemplo da Corte das Corujas ou do Hugo Strange como oponentes intelectuais, além de Cara de Barro ou Solomon Grundy como inimigos porradeiros. Por conta do estrago que fizeram no passado, Mr. Freeze e Hera Venenosa também merecem uma nova chance.

Eu não desgostei do filme, mas também não o vejo como essa Coca-Cola toda que querem fazer. Um filme do Batman conta com o mesmo efeito de qualquer filme da Marvel, que precisa trabalhar umas três vezes menos para a galera já começar a achar que é a melhor coisa já feita desde a invenção do cinema. Falando com o pé no chão, trata-se de uma produção é bem comum e a tendência é ficar até pior com o tempo, nas reassistidas, por conta do ritmo arrastado que dificilmente vai segurar um espectador casual que ligou a televisão no meio da tarde para deixar passando alguma coisa de fundo.

O mérito de verdade está não na obra em si, mas no que ela representa ao trazer um modelo que, mesmo que um pouco pretensioso, mostrou-se válido porque é necessário desacostumar o público do fast food marveliano de uma hora e trinta minutos que, no fundo, não passa de um episódio estendido e glorificado de uma série de TV que acaba indo parar no cinema. Ao contrário das produções da editora do selinho vermelho, há um filme aqui, um evento de verdade que justifica a toda a grana envolvida e o diferencia de demais produções enlatadas.

De um modo geral, The Batman é certamente melhor do que a trilogia do Nolan, mas isso não quer dizer muita coisa porque o sarrafo é baixo. Também não deixa de ser tedioso e parece que a escrita do roteiro foi feita por um algoritmo ou uma IA. Além disso, é extremamente maçante como um todo e se sustenta puramente na questão estética e na adrenalina de uns três ou quatro momentos-chave que se inserem no meio de tanto tédio. No fim, The Batman não é um filme ruim, só é medíocre. Com espaço para melhora, mas ainda medíocre.


Informações

  • Duração: 176 Min.
  • Ano: 2019
  • Direção: Matt Reeves
  • Roteiro:Matt Reeves, Peter Craig
  • Trilha Sonora: Michael Giacchino
  • País: Estados Unidos
  • Gênero: ASMR
  • Estrelando: Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano, Jeffrey Wright, John Turturro, Peter Sarsgaard, Andy Serkis, Colin Farrell

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